Depois de álbuns com fortes características conceituais, dos quais se destacam “3 Sessions in a Greenhouse” (2006) e “Sem Nostalgia” (2009), Lucas Santtana enfim lança – ao que parece, é sempre bom se lembrar – um disco sem fio condutor tão preciso quanto os precedentes. Longe de ser defeito ou algo a menos, a ausência de um elemento de fácil identificação permeando “O Deus que Devasta mas Também Cura” explicita mais e melhor a evolução e a consolidação de um estilo característico ao cantor e compositor baiano.
(A bem da verdade, “O Deus…” tem, sim, uma motivação central: o fim do relacionamento de Lucas com Anna Dantes, a quem o disco é dedicado, juntamente com o filho do casal. Mas a separação é tema de apenas parte das canções, como a que abre e dá nome ao disco. Além disso, trata-se de uma motivação exterior ao som, que não dita um ritmo ou uma ambiência específica ao disco e, se comparada aos motes dos álbuns anteriores, como o dub em “3 Sessions…” ou o violão em “Sem Nostalgia”, pouco representa no resultado final.)
Como disse, o caminho tomado por Lucas Santtana em “O Deus…” pode ser encarado como o de consolidação. Depois das experimentações nas canções dos discos anteriores, o cantor se decide por pequenos toques que remetem a esses procedimentos – como o sintetizador pontuado em “Jogos Madrugais”, que relembra os mashups com violões de “Sem Nostalgia”, ou mesmo o “abraço do grave”, como diz em “Ela é Belém”, presente nas experimentações com o dub e já parte recorrente da sua produção. Entretanto, os arranjos aqui são, em sua maioria, mais conservadores (nada de insetos, sons ambientes ao fundo, por exemplo), com bastante orquestração – ainda que arranjadas de uma maneira ligeiramente original – e sintetizadores preenchendo o som de fundo das canções. O resultado é provavelmente o melhor disco já feito por Lucas, mas o que menos se aventura por novas sonoridades e experimentalismos.
Com sua produção praticamente impecável, talvez este seja, também, o melhor exemplo (até então) da profissionalização técnica que a atual geração da música independente brasileira atingiu. Desta geração, pode-se contestar a capacidade de produzir boas melodias, refrões pegajosos ou épicos – como bem resume a tentativa fracassada de “É Sempre Bom se Lembrar” em soar grandiosa – mas é inquestionável como os discos independentes mais recentes soam mais acabados, em termos de produção. Além disso, com o recém lançado “Caravana Sereia Bloom” de Céu, o próximo disco de Curumin, “Arrocha” (com lançamento agendado para abril) e este último de Lucas Santanna, acredito estarmos diante da formação de uma sonoridade que pode ser vista como característica da produção independente brasileira, ao menos deste ano. Em grande parte, essa sonoridade similar se deve, me parece claro, ao aspecto colaborativo de um grupo específico da atual geração da música brasileira. Em “O Deus…” temos participações dos já citados Céu e Curumin, além de Rica e Gui Amabis, do produtor e guitarrista da Tulipa Gustavo Ruiz, da banda Do Amor, Kassin e Lucas Vasconcelos, além da produção de Chico Neves.
O disco de Lucas Santtana, nesse sentido, tem o mérito de ser um dos melhores – dos mais bens acabados, finalizados, produzidos, composto, arranjado etc. – exemplares da atual produção independente brasileira desse início de década. Além disso, por ser curto (menos de 40 minutos de duração) e de rápida assimilação, de poucas experimentações, mas com certa originalidade nos arranjos, com poucos erros ou excessos, “O Deus que Devasta Mas Também Cura” é um dos maiores acertos de Lucas Santtana na sua carreira.
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